
ANA MADALENA BACH
(...) Quando me dava lições, era de uma paciência angelical. Jamais esquecerei as horas maravilhosas em que, sentada a seus pés, eu aprendia música. Decerto ele não me submetia ao severo exercício que impunha aos seus alunos. Não se tratava para mim de fazer uma carreira musical, e, de resto, eu tive logo desde os primeiros anos tantos filhos a cuidar que a música apenas ficou sendo uma distração para mim. Contudo, no primeiro ano da nossa vida em comum, ele me deu lições de cravo, ensinou-me a tocar em baixo cifrado e mesmo, durante algum tempo, o órgão. Quando lhe confiei o meu desejo de aprender órgão, ele brincou um pouco comigo, dizendo que o órgão era um instrumento muito grande para uma mulher. "Se eu puxasse ao mesmo tempo todos os registros, — dizia ele — taparias os ouvidos com ambas as mãos e largarias a fugir com todas as pernas!" Mas como eu não me deixasse desanimar pelas suas gentis zombadas, deu-me uma lição na primeira oportunidade, e creio que teve nisso tanto prazer como eu, o que já não era pouco. Há qualquer coisa de estranhamente fascinante no simples fato de tocar o teclado de um órgão. Já tive ocasião de dizer que desde antes do meu casamento sabia tocar um pouco de cravo, mas tocar órgão é coisa muito diferente.

Contudo, apesar de zombar de mim era de uma paciência infinita, e depois de vários trabalhosos exercícios consegui enfim dar as notas de pedal sem tatear com o pé minutos inteiros. Desde o começo ele proibira-me de olhar os pés. "Seria engraçado que não fosse capaz de dar uma nota antes de ter verificado se era a exata! — dizia. Só os maus organistas olham os pedais, e eu não consinto que faças como eles. É possível que não vás muito longe na arte de tocar órgão, mas pelo menos hás-de ir como se deve".
Não fui realmente muito longe, mas o bastante, contudo, para avaliar quanto a arte de Sebastião era maravilhosa. Ignorando todas as dificuldades do órgão é que eu não poderia apreciar o modo como ele executava as fugas e os prelúdios de coral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário