quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Graças aos agrados e aos meus encontros notáveis e felizes

E graças aos elogios na justa, aparente e reconhecível medida entre merecido e imerecido. Graças aos temperos humanos que a vida me foi dando nos encontros com tantas pessoas ao longo do meu caminho, especialmente nos tempos em que eu era mais passível de formar do que hoje. A criança em nós serve ao menos para querer continuar a aprender. Mais som, dom Goethe!

Ou agradecimentos às minhas professoras e aos meus professores de piano. Por ordem cronológica. Os meus encontros aconteceram em Bauru, Lins, São Paulo, Paris, Nova York, Hamburgo e, de novo, Bauru.

Dona Heleninha, esposa do Seu Horácio, gerente do Banco Hipotecário Lar Brasileiro de Bauru, se não me engano quanto à denominação, década de cinqüenta do século XX. Achou, ou algo assim, que de todos os cinco irmãos aos quais ensinava a tocar piano, uma aula individual seguida da outra, eu indo a cada minha vez com vontade, saindo do farto quintal e da sombra da mangueira, para o piano cheirando a novo, este talvez pudesse ter talento ou nível musical apto a evoluir.

Dona Dayse Ribeiro que viu e ouviu que eu tocava muito menos que os outros alunos e alunas dela, mas elogiou o meu tuchê, meu ataque suave às teclas. (Talvez desde sempre esperei das teclas que me trouxessem o som bonito que eu desejava. E como custa imaginar o caminho tecla a martelo.) Foi uma distinção que guardei em mim todo o tempo como verdade, ao me pensar músico e ao pensar em dinâmica.

Fui aluno de Canto Orfeônico do professor Ochelsis Laureano, no Instituto de Educação Ernesto Monte, em Bauru (1959 - 1960).

Toquei clarineta na banda do Colégio Salesiano de Lins. Participei de dois concursos de bandas, um em Araçatuba, o outro em São Paulo, com desfile, com uniforme e polainas, na Avenida Nove de Julho (1961 - 1962). O nosso maestro era o padre Sartori.

O professor Luis Carlos, do Conservatório Musical Pio XII, de Bauru. Das mãos grandes, dedos longos, finos e fortes. Ele foi encorajador no sentido de mostrar que conhecer, dominar e saber executar com sonoridade musical as escalas maiores e os seus arpejos era algo muito desejável no aprendizado de piano. Último encontro num vagão de metrô em Paris, em 1968. Disse que eu devia continuar sempre com o piano porque tocava "muito bem".

A professora Jussemy Monteiro, que, com intenções verdadeiras de me fazer progredir, plantou o desafio da arte e da técnica, o estímulo para o inalcançável, um certo apelo ao trabalho. E uma peça que se chamava "ponteio", com minúscula porque não me lembro do título exato. Tinha uma linda escala diminuta formada por si bemol, sol, mi e ré bemol. Tinha um arpejão ao longo de duas para três oitavas, descendente e de efeito dramático. Se soubesse tocar o arpejo corretamente, o resto passava, não obstante a minha incompreensão do espírito da composição toda. Hoje eu diria que era uma coisa de espanhol tentando ler a alma musical brasileira. A peça vale uma revisita um dia.

Adendo em 11 de dezembro de 2008: Verifiquei tratar-se da primeira de três peças da 2.a Suíte Brasileira, de Oscar Lorenzo Fernandez, publicada ou composta, não sei ao certo, em 1938, que são: Ponteio, Moda, Cateretê. Portanto, ponteio, mesmo.

Depois tive aulas com a Lucia Helena Ferraz, que vinha, ao que entendi, de um ano de bolsa de estudos de piano nos Estados Unidos. Me ensinou aspectos corporais que tinha aprendido nos States: relaxamento, alongamento dos dedos da mão. Era receita para gringo, eu talvez o gringo na província, ginga reprimida. Escrevi um pequeno tema que se me afigurava um tema de amor, naquela época, em dó maior, com uma segunda parte, fechando em fá maior. A professora leu à primeira vista, não desgostou, que eu saiba. (JBS)

Mostrei essa composiçãozinha também ao maestro e compositor bauruense Miguel Ângelo Ruiz, que a tocou no piano dele, em sua casa, na Avenida Duque de Caxias. Não tinha grande fôlego, fogo, amplitude a pecinha. Era a primeira que tinha melodia, acompanhamento, segunda parte e fim, embora terminasse meio suspensa, e noutra tonalidade da que tinha começado. Não obstante críticar não me lembro o quê, parece que Seu Ruiz sentiu que era um original lá de sua novidade alguma.

Depois encontrei o amigo Paulo Monteiro, samba trio, bebop, do fox e do bolero sentido e bem tocado, que todo dia, à hora do almoço, sentava ao piano Brasil para praticar, estudar, tocar, improvisar. Eu voltava da piscina do Bauru Tenis Club, passava na casa do Paulinho, na Rua Manoel Bento Cruz, nessa hora. Ficava sentado do lado direito do piano, vendo e ouvindo. O que eu aprendi dele é a mão boba, a contramão da mão sábia. Tanto a direita quanto a torta. As notas blues, o mi bemol, o sol bemol, o si bemol, as apojaturas típicas, o vaivém das mãos e dos dedos de maneira aparente e auditivamente inconseqüente, irrefletida, irresponsavelmente direta. É do tronco, música é movimento, mecânica, e fé cega. Tocar piano também é meter as mãos. É a volta da emoção em torno da motricidade. Vale lembrar o sentido e a sensação do tocar legato, quando as pontas dos dedos "grudam" nas teclas por "sucção", como a lagartixa anda no teto.

O Chico Lagreca, que nos ensinou, a mim e ao Francisco Rafael Correa Cardieri, o Kiko. O colega e amigo Kiko era filho da Dona Ruth Schmitt Correa Cardieri e do doutor Armando Cardieri. O doutor Armando me salvou a vida. Aplicou-me ventosas, com copos de água e chama de vela, sobre as costelas, em lugar de punção da pleura. Tinha doze anos. O Lagreca ensinou o campo harmônico com os acordes acompanhando a escala diatônica. Dentro das escalas estavam sete tetracordes. Ensinou também um balanço da bossa, com um certo truque, simplificado, utilizando geralmente o quinto dedo, o mínimo, da mão esquerda para fazer o baixo. Fiz um dia uma música que usava muito a quarta na melodia, com acorde menor, à la Richard Wagner. Ele amou, disse que era uma transa. Levei comigo esta forma de agradecimento mútuo como a verdade de existir talento em mim.

O próximo professor foi o Manfredo Fest. A bem da verdade, o Manfredo, que não teve nenhuma responsabilidade pelo que virei ou deixei de virar, não tinha muita paciência em ensinar que pausa de semicolcheia se executa levantando completamente o dedo da tecla ou a mão do teclado, para aplicar as batidas de João Gilberto ao piano. Sem muletas ou manivelas, tempo na cabeça, mão no ar! Ainda que ligeiramente, levemente, apenasmente, centímetros, milímetro, o rebote, o contragolpe, ou soltar as teclas sem deixar de as ter ao contato do tato das pontas dos dedos. Hoje percebo vagamente o que ele quis me ensinar!

Entre ser cangaceiro ou um aspirante a bandido, ir para a Bahia, preferiram me possibilitar, a pedido deste interessado, ter aulas com uma assistente da Magdalena Tagliaferro. Início de uma fase em que acontecimentos de certa maneira (continua)...

Fim do verão de 1968, o Mauro Rasi veio como um furacão morar no meu apartamento, na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, esquina com a Rua Humaitá. A casa virou um espaço vietcong tardiamente adolescente. Virou uma república bauru sartriana: Charles Marar, Mauro e depois o Saulo Garroux e a Eda, que para mim era linda como Vênus. Mauro sentava ao piano e dizia: "Vou tocar uma composição de Sergei Prokofiev". E começava a inventar, improvisava, desconfiava eu. Usava quase que todas as oitenta e oito notas do instrumento. Depois dizia: "Esta composição se chama Mentira".

Lucian Segura

Michael Wehr.

Marco Antonio de Almeida.

Hector Martignon.

Thomas Altmann. E aqui.

Hendrik Meurkens

Carlos de Almeida Guimarães.

Um comentário:

Jussemy disse...

Olá, Tradutor músico.
Você me citou no seu blog que só descobri agora.
Foi legal encontrar em um único texto todos os envolvidos com música na época em que eu era jovem e você um adolescente. Vou continuar a ler. Por outro lado estou começando um blog também. Se quiser ver é Professora Jussemy